A acusação, apresentada pela Procuradoria-Geral da República e que requer a autorização da Câmara dos Deputados para ser analisada pela Justiça, é a de corrupção passiva.
![]() |
O presidente e seu ex-assessor promoveram vantagens
irregulares para a JBS - Reprodução
|
Quase um ano após a sua posse definitiva na Presidência da
República, em agosto de 2016, Michel Temer (PMDB) enfrenta uma pecha
diferente da que gostaria: é o primeiro chefe de estado brasileiro a ser
denunciado por crime comum. A acusação, apresentada pela Procuradoria-Geral da
República (PGR) e que requer a autorização da Câmara dos Deputados para ser
analisada pela Justiça, é a de corrupção passiva.
O crime é definido pelo artigo 317 do Código Penal, que prevê
o seguinte: “solicitar ou receber, para si ou para outrem, direta ou
indiretamente, ainda que fora da função ou antes de assumi-la, mas em razão
dela, vantagem indevida, ou aceitar promessa de tal vantagem”. É um delito que
só pode ser cometido por funcionários públicos e que fica caracterizado quando
este oferece ou aceita um benefício em troca de um favorecimento indevido, que
só seja possível pela função que ocupa.
No caso da acusação contra o Temer, o procurador-geral Rodrigo
Janot afirma que o presidente e seu ex-assessor Rodrigo Rocha Loures,
funcionários públicos, promoveram vantagens irregulares para a JBS em
troca de pagamentos em dinheiro por parte do grupo.
Narrativa
Trata-se, portanto, de um enquadramento diferente da concussão,
que prevê que o acusado exija o pagamento ou a vantagem. Castelo Branco,
no entanto, ressalta que a PGR precisa apresentar “uma sequência lógica de
fatos” para validar a denúncia dentro desta definição, esclarecendo o caminho
pelo qual a vantagem foi oferecida pelos corruptores e aceita pelos corruptos.
Na peça apresentada por Janot, a narrativa é a que segue:
Os fatos, segundo Janot
1. Em 06/03, Joesley Batista e Rodrigo Rocha Loures se
reuniram em São Paulo e combinaram um encontro do empresário com o presidente
Michel Temer.
2. Em 07/03, Joesley Batista foi ao Palácio do Jaburu, em
Brasília, ser recebido por Temer. Ele relatou diversos assuntos para os quais
dependeria de ajuda, ao que o presidente indicou o próprio Rocha Loures como
seu representante.
3. Em 13 e 16/03, Joesley Batista e Rocha Loures se
encontraram duas vezes.
No primeiro dia, Joesley informou Loures que Temer
autorizou que ele intercedesse em seu favor. No segundo, relatou qual era o
benefício de que necessitava: uma atuação junto ao Conselho Administrativo de
Defesa Econômica (Cade), que analisava uma questão de gás natural de interesse
da JBS. No mesmo dia e com o telefone em viva voz, Loures telefona para
Gilvandro Vasconcelos, presidente do Cade, que teria “entendido perfeitamente”
o que deveria fazer como não teria a influência necessária para tal, conclui
Janot, Loures falou com o executivo em nome de Temer. E o empresário estabelece
em 5% a comissão a ser paga, o que representaria entre 19 e 38 milhões de reais
até dezembro.
4. Em 13/04, a Petrobras e a EPE Cuiabá empresa do grupo JBS
firmaram um contrato de compra e venda de gás natural, que atendia aos
interesses de Joesley Batista e de Ricardo Saud, executivo da JBS. Na
sequência, a Petrobras pediu ao Cade que extinguisse o processo.
5. Em 24/04, Loures e Saud se encontram em uma cafeteria em
São Paulo. Saud combina o valor da propina, que poderia ser de R$ 500 mil ou R$
1 milhão por semana, dependendo do preço do gás.
6. Em 28/04, em uma pizzaria também de São Paulo, Loures
recebeu de Saud, em ação controlada registrada pela PF R$ 500 mil em uma mala
de dinheiro.
A conclusão de Janot: Batista e Saud prometeram a Loures e
Temer um pagamento em dinheiro. Em troca, Loures, em nome de Temer, prometeu
vantagens ilícitas para a JBS, comprovadas pela interferência do ex-assessor no
Cade e pelo contrato entre a Petrobras e a EPE Cuiabá. Para o procurador, já
que Loures não tem poderes para dar ordens ao presidente do Cade ou a
dirigentes da Petrobras, só pode ter agido com a autorização de Temer.
Portanto, avalia, fica configurado o crime de corrupção passiva.
Na análise de uma denúncia de corrupção passiva,
portanto, deve-se levar em conta se a sequência de fatos apresentada, entre o
oferecimento de uma vantagem e o recebimento de uma contrapartida, é
consistente e tem elementos suficientes para que seja aceita e julgada.
Afastamento e punições
Por se tratar de uma denúncia contra um presidente da
República por atos ocorridos no decorrer do mandato, o trâmite é diferente do
tradicional. Após a apresentação da peça pelo Ministério Público Federal (MPF),
caberá ao Supremo Tribunal Federal (STF) dar a palavra final sobre a
aceitação, ou não, do pedido. No entanto, o STF só pode aceitar a denúncia com
a autorização da Câmara dos Deputados. Os deputados devem decidir sobre isso na
quarta-feira.
O relatório que será votado, do deputado Paulo Abi-Ackel
(PSDB-MG), é contra a concessão de autorização para que Temer se torne réu. Se
o parecer for rejeitado e a Câmara, portanto, der o aval, o caso vai para o
Supremo. Se a Corte decidir receber a denúncia, o presidente é afastado do
cargo por até 180 dias, período em que a Justiça deve julgá-lo. Se for
considerado culpado, é cassado em definitivo e pode ser condenado a uma pena
que varia entre dois e doze anos de prisão em regime fechado, o
mesmo para Rocha Loures. No entanto, se a Câmara não autorizar o prosseguimento
da denúncia ou o STF não aceitá-la, a acusação é arquivada.
0 comentários:
Postar um comentário