Fonte: Fantastico
Em uma unidade da Fundação Casa, a antiga Febem, na capital paulista, dois funcionários espancam seis adolescentes com muita violência.
O Fantástico mostrou imagens inéditas e chocantes. Em uma
unidade da Fundação Casa, a antiga Febem, na capital paulista, dois
funcionários espancam seis adolescentes, com muita violência.
Socos e tapas. Depois, uma sequência de chutes e também
cotoveladas. Essa sessão de espancamento é recente. Aconteceu em maio, no Complexo
Vila Maria da Fundação Casa, antiga Febem, na zona norte da capital paulista.
As agressões, sofridas por seis adolescentes infratores,
aparecem em filmagens, obtidas com exclusividade pelo Fantástico, que você vê
no vídeo no fim da matéria.
Em uma semana, é a segunda vez que a Fundação Casa aparece
com destaque no noticiário. A primeira foi segunda-feira (12). Dezenas de
internos pularam o muro e chegaram a usar uma árvore para fugir da unidade
Itaquera, na Zona Leste de São Paulo. Quarenta e nove jovens conseguiram
escapar. Vinte e dois foram recapturados.
No mesmo dia, também houve rebelião na Vila Leopoldina, zona oeste. Somando esses distúrbios em duas unidades, 41 funcionários foram mantidos reféns e oito ficaram feridos.
O que estaria acontecendo por trás destes muros? A violência
- tão comum na época da Febem - estaria de volta, agora na Fundação Casa?
“Que tipo de tratamento, que tipo de medida que a gente está
oferecendo para os nossos adolescentes?”, questiona Matheus Jacob Fialdini,
promotor de Justiça da Infância e da Juventude.
O Complexo da Vila Maria, onde as agressões foram gravadas,
abriga atualmente 521 adolescentes. Para a promotoria da Infância e da
Juventude, o ideal seria ter bem menos, cerca de 320.
O complexo é dividido em 8 casas, como são chamados os
centros de atendimento socioeducativo. Uma delas é a João do Pulo, onde foram
feitas as filmagens das surras que os seis menores levaram. Na unidade João do
Pulo, a capacidade é para 40 adolescentes, segundo o Ministério Público. Mas
hoje, estão lá dentro 64 jovens infratores, entre 12 e 18 anos, que
participaram principalmente de roubos e tráfico de drogas.
Em um vídeo, do dia 18 de maio, dois menores usam telefones
celulares dentro da unidade, o que é proibido.
O promotor Matheus Jacob Fialdini faz visitas frequentes ao
centro de atendimento João do Pulo e acompanha o processo de
reabilitação. "É uma unidade de primários. Eles apresentam um
comportamento melhor que em muitas unidades que concentram reincidentes. Uma
unidade como essa, em tese, é considerada uma unidade relativamente mais fácil
de administrar”, diz Fialdini.
Imagens foram gravadas logo depois de uma tentativa de fuga,
no centro de atendimento João do Pulo. É noite de sexta-feira, 3 de maio
passado. Na quadra, os jovens ficam sentados, só de cuecas. Wagner Pereira da
Silva, o diretor da unidade, acompanha a situação. Ele é formado em direito e
seguiu carreira em educação. Perto do diretor, um funcionário repreende os
menores pelo motim.
“Exijo respeito e o cidadão vai ser respeitado. Não quero
zona na minha casa. Eu estou dizendo a minha parte. Os senhores não estão
fazendo a dos senhores”, diz o funcionário.
A direção da unidade deixou registrado, na lista de
ocorrências que, nesse dia, nove adolescentes foram capturados antes que
conseguissem pular o muro para rua. E que um grupo pôs fogo em alguns objetos.
“Fala a verdade. Você quebrou tudo. Você quer que dê
beijo?”, pergunta o funcionário.
O funcionário, que ainda não foi identificado, faz ameaças
de matar os menores e levar os corpos ao Instituto Médico Legal. Ele usa a
expressão "dar boi", que significa "facilitar".
“Vou falar para os senhores: a mãe dos senhores vai visitar
os senhores lá no IML. Lá no IML. Vai visitar no IML, porque eu não vou 'dar
boi'. Muitos aí não têm nem a idade que eu tenho de fundação. Senhores, não vai
sobrar nada dos senhores”, ameaça o funcionário.
“O que eu percebo hoje são funcionários completamente
desqualificados, despreparados, que não recebem uma capacitação permanente”,
avalia Fialdini.
A conversa com os jovens continua dentro de um quarto.
Depois, em uma sala onde existe um quadro negro, começam as agressões.
Primeiro, contra três adolescentes. Numa sequência: um deles leva um tapa e vai
para o chão. Outro jovem recebe cotoveladas e socos.
Cerca de 20 segundos depois, as imagens mostram outros três
menores apanhando.
“Um rosto de pavor, de medo, de agonia mesmo, com aquele
espanto: ‘o que vai me acontecer?’ Com certeza, são ofensas que estão sendo
proferidas. Olha o constrangimento: o adolescente acuado, bem no canto da
sala”, destaca Matheus Fialdini.
No vídeo, aparecem dois agressores. Eles já foram
identificados. São Mauríco Mesquita Hilário e José Juvêncio, coordenadores de
área, responsáveis pela segurança no Complexo Vila Maria.
O espancamento durou cerca de cinco minutos. Nas imagens, 20
segundos depois, o diretor da unidade João do Pulo - Wagner Pereira da
Silva - aparece do lado de fora da sala.
Ele fica em silêncio por alguns instantes. E vê quando os
dois agressores - Maurício e José Juvêncio - falam com um adolescente que tinha
acabado de apanhar.
“O que eu vejo: uma sensação de um diretor constrangido,
incomodado. Mas até que ponto ele é conivente ou não com esse tipo de prática,
só realmente a investigação vai poder apontar”, diz o promotor.
Quanto ao espancamento, o promotor da infância afirma: “É um
crime de tortura, é gravíssimo. Isso dá cadeia. A pena é de reclusão. Pena
mínima de dois anos de reclusão”.
Na sexta-feira (16), o promotor esteve na Unidade João do
Pulo e conversou com vários menores. “O relato deles converge no sentido de que
agressões estão sendo praticadas dentro dessa unidade. Eles narraram agressões
muito similares a essas que na imagem a gente consegue ver”, afirma Matheus
Jacob Fialdini.
O Fantástico mostrou as agressões sofridas pelos seis
adolescentes para Berenice Gianella, presidente da Fundação Casa.
Ela relata como viu as imagens: "Repulsa total e
absoluta. Isso é uma covardia. Isso é uma agressão gratuita, isso é um ato de
tortura que é absolutamente abominável", avalia Gianella.
Berenice Giannella está no cargo desde que a Fundação Casa
foi criada, em 2006, para substituir a Febem.
"Isto era o que se via antigamente na Febem. E apesar de serem os mesmos funcionários que já estavam aí antes, a gente fez todo um trabalho para que isso não acontecesse novamente", explica a presidente da Fundação.
"Isto era o que se via antigamente na Febem. E apesar de serem os mesmos funcionários que já estavam aí antes, a gente fez todo um trabalho para que isso não acontecesse novamente", explica a presidente da Fundação.
Ela diz que uma tentativa de fuga, como a que aconteceu na
Unidade João do Pulo, não justifica esse tipo de punição: “A fundação tem
instrumentos para punir atos de indisciplina dos meninos. Ele pode até ficar
cinco dias no dormitório, só saindo para escola e para as atividades
educacionais. Então, não há necessidade e você vê que não é uma situação de
confronto”, diz Berenice Gianella.
Na noite de sábado (17), os seis jovens agredidos foram
identificados. Por questões de segurança, todas as informações deles - como
nome, idade e motivo da internação - serão mantidas em sigilo.
“Nós vamos tirá-los dessa unidade e colocá-los em outro
local que a gente possa resguardar a integridade física deles”, garante
Berenice Gianella.
Assim que viu as imagens do espancamento, a presidente da
Fundação Casa tomou a decisão de afastar dos cargos o diretor da unidade João
do Pulo e os dois coordenadores de segurança, que aparecem nas imagens
agredindo os adolescentes.
"Vamos também informar o caso à policia para
instauração de inquérito policial porque isso se configura crime de tortura.
Isso também precisa ser apurado na esfera criminal. Daria como punição demissão
por justa causa imediatamente. É que eu não posso fazer isso. Se eu pudesse, eu
o faria", ela afirma.
Como são servidores públicos, eles só podem ser demitidos
depois de responder a um processo administrativo.
Também já foi afastado do cargo o coordenador de equipe
Edson Francisco da Silva, que cuida da segurança na unidade João do Pulo. No
vídeo, ele aparece assistindo às agressões e chega a empurrar um adolescente.
O Fantástico tentou falar com os funcionários da Fundação
Casa citados nesta reportagem, incluindo o diretor Wagner Pereira da Silva. Mas
a assessoria da instituição informou que eles não querem se manifestar.
A Fundação Casa atende hoje a 9.236 menores infratores, em
148 unidades espalhadas pelo estado de São Paulo.
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