Grupos em universidades brasileiras pesquisam o desenvolvimento de biossensores de baixo custo para acelerar o diagnóstico.
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“No nosso sensor, a detecção da doença da dengue é indireta” – Reprodução |
Estatísticas epidemiológicas de doenças transmitidas por
mosquitos impressionam. Segundo a Secretaria de Vigilância em Saúde do
Ministério da Saúde, em 2016 foram notificados cerca de 1,5 milhão de casos de dengue,
272 mil de febre chikungunya e 215 mil de febre Zika. Em 2015, foram 143 mil
casos de malária.
Estratégias de combate a essas epidemias incluem prevenção por
meio do combate às diversas espécies de mosquitos transmissores,
desenvolvimento de vacinas, vigilância epidemiológica com rápido diagnóstico
dos doentes e tratamento clínico e ambulatorial.
No quesito da vigilância epidemiológica, grupos em
universidades brasileiras pesquisam o desenvolvimento de biossensores de baixo
custo para acelerar o diagnóstico.
Um exemplo é o imunochip para detecção de doença da dengue
que está em desenvolvimento no grupo BioPol dos Departamentos de Química e de
Bioquímica e Biologia Molecular da Universidade Federal do Paraná (UFPR), em
Curitiba.
“No nosso sensor, a detecção da doença da dengue é indireta.
O que se detecta não é o vírus, mas um antígeno característico da infecção.
Essa detecção se dá através de anticorpos ancorados no biossensor, que detectam
rapidamente a presença do antígeno no soro e, indiretamente, nos dá a resposta
de infecção”, disse o doutorando em bioquímica Cleverton Pirich, um dos autores
do estudo.
O imunochip é capaz de detectar a presença de moléculas do
antígeno (NS1) para a dengue em soro sanguíneo, fornecendo um resultado
positivo ou negativo de forma rápida. Resultados do trabalho foram publicados
no periódico Biosensors and Bioelectronics.
O sensor é baseado na tecnologia das microbalanças de
cristal de quartzo (MCQ). O termo microbalança se refere à capacidade desses
dispositivos detectarem quantidades de uma molécula, a exemplo de uma proteína,
na ordem de nanogramas (bilionésimos de grama).
Isso é possível devido a uma propriedade eletroquímica
chamada efeito piezoelétrico. Piezoeletricidade é a capacidade de alguns
cristais gerarem tensão elétrica como resposta a uma pressão mecânica.
Os sensores piezoelétricos são dispositivos que usam o
efeito piezoelétrico para medir pressão, aceleração, tensão ou força,
convertendo-os em sinal elétrico.
Para validar os resultados e a eficiência do imunochip
desenvolvido em Curitiba, Pirich e sua orientadora, a professora Maria Rita
Sierakowski, contaram com a colaboração do professor Roberto Manuel Torresi, do
Departamento de Química Fundamental do Instituto de Química (IQ) da
Universidade de São Paulo, quanto ao funcionamento e interpretação de
resultados em uma microbalança com dissipação de energia (MCQ-D).
“A microbalança utiliza o efeito piezoelétrico reverso. No caso específico do novo imunochip, um sinal elétrico é aplicado ao cristal e a frequência desse sinal muda quando algumas moléculas de antígeno (NS1) para a dengue presentes em uma amostra se depositam sobre o cristal”, disse Torresi.
No laboratório coordenado pelo professor Torresi há uma das
mais sofisticadas e precisas microbalanças de cristal de quartzo em operação no
Brasil. O equipamento foi adquirido com apoio da FAPESP.
Assim como o imunochip, a microbalança MCQ-D também baseia
sua operação na detecção utilizando efeito piezoelétrico reverso. Só que sua
precisão é de outra ordem de grandeza, além de detectar também mudanças
reológicas.
“A microbalança do nosso laboratório é muito mais
sofisticada que outras existentes no país”, disse Torresi, que também assina o
artigo publicado na Biosensors and Bioelectronics e coordena o Projeto Temático
“Otimização das propriedades físico-químicas de materiais nanoestruturados e
suas aplicações em reconhecimento molecular, catálise e conversão/armazenamento
de energia”.
A microbalança do IQ (MCQ-D) e as do BioPol (MCQ, adquirida
com apoio da Capes, e MCQ-D, com apoio da Finep) confirmaram a presença do
antígeno NS1 para a doença da dengue em todas as amostras de soro que foram
contaminadas por acréscimo desse antígeno, para as quais o imunochip havia sido
produzido contendo o anticorpo NS1, resultando num resultado positivo de
detecção.
Aplicações ambientais
“O imunochip foi desenvolvido para detectar moléculas do
antígeno da doença da dengue em qualquer material em meio líquido. Mas o
princípio pode ser aplicado na detecção de outras doenças, assim como em
aplicações ambientais e saúde para detectar moléculas contaminantes presentes
em água, alimentos e meio ambiente, por exemplo”, disse Sierakowski.
A base do imunochip é um cristal de quartzo importado, sobre
a qual são depositados os demais componentes em finas camadas. A primeira, logo
acima do cristal, é de ouro. Imediatamente acima está uma película de um
polímero chamado polietilenimina.
Por fim, sobre o polímero é colocado um nanofilme de
nanocristais de celulose, oriundo de tratamento químico de resíduos industriais
de celulose bacteriana, preparado para reagir quimicamente na presença do
antígeno da dengue. A reação química acarreta uma mudança de resposta dos
nanocristais, que é refletida pela alteração dos seus padrões de frequência e
de dissipação de energia.
É a mensuração precisa da mudança desses padrões de
frequência e de dissipação de energia que indicará a presença ou não do
antígeno para a doença da dengue e, por consequência, se o paciente de quem aquela
amostra foi obtida está ou não infectado pelo vírus da dengue.
O processo pode parecer longo, mas, após o desenvolvimento
do biossensor, a resposta é praticamente imediata. Pinga-se a amostra sobre o biossensor e se obtém o resultado
com precisão. A presença do antígeno (NS1) para a dengue é determinada a partir
de quantidades de 0,03 micrograma por mililitro.
“O mais importante para um paciente no diagnóstico não é
saber quantas moléculas de antígeno há na amostra. O que interessa para ele é
saber se está ou não infectado e, caso esteja, começar o mais rápido possível o
tratamento correto. Visando somente um diagnóstico qualitativo, ou seja, com
uma resposta positiva ou negativa, isso abre margem para o desenvolvimento de
equipamentos mais simples, baratos e acessíveis que cumpram esse propósito”,
disse Pirich.
“Como foi discutido e demonstrado em nosso trabalho, um
imunochip desse, se desenvolvido e comercializado, poderá ser uma ferramenta de
diagnóstico em tempo real, capaz de fornecer resultados em aproximadamente 15
minutos”, disse.
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